quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Lenda Urbana - E agora?

Desde que venci o baiano, deixei o guarda-chuva encostado no mesmo lugar. Tive medo de andar carregando e ser reconhecido. Trabalhei e estudei por dois dias, mas não conseguia esquecer tudo o que me aconteceu na segunda-feira. Hoje, quinta feira, acordei e resolvi não ir para a faculdade e para o escritório. Eu precisava pesquisar e descobrir o que havia me tornado.

Wikipedia. Minha primeira fonte de pesquisas se mostrou de pouca ajuda. Odeio utilizá-la, tem artigos vazios, de pouca confiabilidade. Mas é útil para encontrar certos termos que ajudam em outras fontes de busca.

Google. Nada também.

Eu teria que apelar. Precisaria consultar conhecimentos obscuros. Livros esquecidos, empoeirados e amarelados.

Eu iria até a Biblioteca Municipal Mário de Andrade consultar a Enciclopédia Barsa.

Para chegar lá precisaria pegar um ônibus e metrô. Da estação Marechal Deodoro iria até a estação Anhangabaú, e de lá andando até a Biblioteca. Não sei porque, mas achei melhor levar o guarda-chuva dessa vez.

Com o remendo do guarda-chuva do baiano ele começa a me lembrar uma calça de caipira de festa junina. Mas é o meu guarda-chuva, e o tempo está nublado. Ponho uma capa plástica branca nele pra disfarçar, penduro uma alça na capa e passo ele por cima do ombro. Carteira no bolso, Bilhete Único no outro, chaves de casa no outro, celular no outro. To pronto.

Pego o ônibus por volta de 9 horas da manhã, incrivelmente ele está vazio. Normalmente a essa hora o movimento de idosos é grande.

Desço alguns metros a frente da estação Deodoro. Embaixo do Elevado Costa e Silva. Acho engraçado chamar o Minhocão de Elevado Costa e Silva, me lembra a Corrida de São Silvestre, que é o único momento do ano em que chamam o Minhocão pelo nome certo.

O Minhocão é um viaduto, e odeio passar embaixo de viadutos. São lugares degradados, sujos, e normalmente perigosos. Mas não tem jeito, preciso andar um pouco para chegar até o metrô.

Os mendigos que moram ali embaixo e normalmente me abordam (acho que tenho uma cara de bonzinho muito convincente, eles só não me pedem dinheiro quando tem alguma velhinha também), hoje me olham a distância. Olhares cheios de respeito me acompanham de longe. Acho estranho, mas prefiro assim. Não estou num dia bom para esmolas ou papos, apesar de acreditar que a solidão e desprezo pelo qual os moradores de rua passam lhes dê uma percepção do mundo muito melhor que a nossa. Alguns mendigos são sábios. 

Um dia encontrei um mendigo que falava inglês. Não sei quantos de vocês já me ouviram contar essa história, mas o conheci na Rua da Consolação, no ponto de ônibus bem em frente ao Mackenzie. Ele veio falando comigo em inglês, e logo achei que era algum golpe novo na praça, que ia ser assaltado, e me afastei.

Encontrei ele uma segunda vez no Metrô Sta. Cecília, e aí batemos um papo. Ele me disse que seu nome era Thamis. Me chamava de Sir, porque eu estava vestindo terno e carregava um guarda-chuva preto como se fosse uma bengala. Ele era de um país da América Central, e veio para o Brasil dar aulas de inglês. Mas não conseguiu, e vivia nas ruas, conseguindo poucas esmolas porque ninguém entendia seu inglês e espanhol... Só vi Thamis mais uma vez, e ele estava deitado na porta de um supermercado, enrolado num trapo velho. Eu estava dentro do ônibus, e quase desci para ajudá-lo, mas estava atrasado para a aula.

Entrei no metrô. Vagão cheio, também pudera, a Linha Vermelha é sempre lotada. Desci rápido, a Estação Anhangabaú. O percurso a pé também foi muito rápido, e em poucos minutos eu estava na Biblioteca Municipal Mário de Andrade.

Perdi duas horas na biblioteca. Ao que parece não existem livros sobre uma seita de portadores de guarda-chuvas quadriculados. Comecei a achar que estava ficando louco, mas o remendo no guarda-chuva provava minha sanidade mental.

Preciso espairecer. Resolvo ir até a Torre do Banespa, a vista me relaxa, e é uma boa caminhada até lá. Ipod bombando um Strokes no ouvido. "Hard to explain". Rock me faz pensar melhor.

São 13hs. A fome aperta e ainda não cheguei. Resolvo esticar até a Sé e ir almoçar no Asia House. Comida japonesa a quilo, preciso de comida leve, pesada me dá sono, e aí nada de pensar.

Duas e meia da tarde eu estou na porta do prédio do Banespa. A torre tem 161 metros de altura. É a melhor vista de São Paulo, não por ser o prédio mais alto, mas por ser ter uma localização mais alta geograficamente falando. O local de observação é um posto circular, como um farol de praia. Cabem umas 15 pessoas.

O grupo que vai subir comigo é de estudantes de colégio. Capetas. Demônios. Mal educados e barulhentos. Odeio adolescentes mal educados, talvez por que tenha sido um adolescente atípico. 

No fundo do grupo vejo uma menina loirinha se afastar. Tem 16 ou 17 anos, e lê avidamente um livro que só tive o prazer de conhecer há pouco tempo. "A Cidade Antiga", de Fustel de Coulanges. Admiro-a pelo bom gosto literário, e pela sua diferença dos colegas de turma.

Subimos os elevadores até lá, esperamos a descida do grupo anterior do topo, e pronto. Nossa vez.

Vou direto para o local de onde posso ver a Praça da Sé inteira. Não que eu queira ver a Catedral, apesar de achá-la linda. Queria ver a fachada recém restaurada do Palácio da Justiça. Mal de estudante de direito, provavelmente.

Fico observando por algum tempo, e a algazarra dos adolescentes me dando raiva, até que começa a chover. Dou graças a deus por aquelas pestes saírem de lá. Abro o guarda-chuva e fico ainda observando por uns 10 minutos o Palácio.

Quando resolvo ir embora, vejo a menina loira do outro lado da torre. Segurando um guarda-chuva igual ao meu. Mais uma vez eu sei que só pode haver um.

"Calma portador, não precisa fechar seu guarda-chuva ainda. Estou aqui para lhe dar as boas vindas e algumas respostas. Thamis me enviou".

3 comentários:

Luciano PR disse...

muito bom!!! quem será essa garota loirinha e que livro é esse, ando meio desatualizado xD

Abração

Joking Joker disse...

Minha parte favorita desse conto:

"Preciso espairecer. Resolvo ir até a Torre do Banespa, a vista me relaxa, e é uma boa caminhada até lá. Ipod bombando um Strokes no ouvido. "Hard to explain". Rock me faz pensar melhor."

Hard to explain ... isso ai é mensagem subliminar... =D

será que eu apareço no conto com um guarda-chuva?

Théo, Theobaldo, Theotonio, Theófilo... disse...

Só tenho um comentário pra fazer sobre o conto e sobre o comentário do Leo acima: "Hard to Explain"...