segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Lenda Urbana - Só pode haver um...

Não sei quantos dos meus leitores sabem do caminho que eu faço do escritório pra casa, então vou explicar pra deixar mais clara essa história. Eu pego o primeiro ônibus numa rua chamada Chedid Jafet, desço na Av. Brigadeiro Faria Lima próximo ao Largo da Batata e lá pego o segundo ônibus pra vir até em casa.

Hoje, quando desci do primeiro, o tempo estava meio chuvoso e abri meu guarda-chuva. Quem me conhece sabe que odeio guarda-chuvas pequenos, porque não comportam eu e a minha mochila. Meu guarda-chuva é daquele que os camelôs vendem por 10 reais na porta do metrô. Quadriculado de azul escuro e amarelo esverdeado.

Fui caminhando do ponto do ônibus em direção à ruela estreita que existe ao lado do Supermercado Futurama. A ruela hoje estava movimentada, graças a Deus. Odeio passar por ali quando está deserto. E fui caminhando, por aquele atalho até a Rua Teodoro Sampaio, onde pego o segundo ônibus.

No ponto onde a ruela se abre numa rotatória para receber uma outra ruela que passa nos fundos do Futurama, eu o vi. Parecia que esperava por mim.

Eu desviava o olhar. Ele estava do outro lado da rotatória, no caminho onde eu precisava passar para chegar ao próximo ponto de ônibus. Não sabia porque me encarava. Quando levantei os olhos entendi. O guarda-chuva dele era igual ao meu...

Dois guarda-chuvas quadriculados de azul escuro e amarelo esverdeado.

Por um momento que pareceu durar uma eternidade eu olhei em seus olhos, e sabia que ele pensava o mesmo que eu: só pode haver um.

Fechei meu guarda-chuva e deixei as gotas da garoa escorrerem pelo meu rosto e sumirem em meu paletó. Ele fez o mesmo, mas tinha a vantagem de vestir uma jaqueta de couro marrom. Estava bem surrada, mas pelo menos a água não lhe pesava. Em sua cabeça, um chapéu velho, faltando um pedaço em forma de triângulo na lateral. 

Enrolei o guarda-chuva e prendi com o velcro para que não ficasse solto, e ele fez o mesmo. Percebi com todos meus nervos que o combate estava para começar. O cheiro de batalha permeava o ar. E os pedestres que por ali passavam percebiam isso, e evitavam cruzar nossos olhares. Alguns chegaram até mesmo a parar no boteco próximo, embaixo do toldo, pedir uma coxinha e um croquete e observar os dois portadores dos guarda-chuvas quadriculados...

Eu não sabia o que acontecia comigo. Parecia que estava dominado por alguma entidade que não era eu. Tinha plena consciência disso, mas tudo o que eu queria era resolver o problema. Dessa luta, apenas um guarda-chuva sairia.

"Estive lhe esperando por uma hora meu rei. Perdeste o ônibus, foi?"

Baiano. Não pensei isso como preconceito ou xenofobia, até porque baianos em São Paulo são muito mais comuns do que cariocas, então eu era mais forasteiro do que ele nesta terra de asfalto e vidro. Poucos sabem, mas São Paulo é a cidade do Brasil que tem mais baianos depois de Salvador.

O momento de reflexão terminou com uma constatação assustadora. Ele me conhecia! Sabia o caminho que eu faria naquele dia! Eu não poderia lhe dar uma chance de sobreviver, ou ele me perseguiria pelo resto da vida...

Mais por desespero do que por me encontrar preparado, parti para cima. Nesse momento, meu Ipod que até agora estava em silêncio, começou a tocar. David Bowie e Queen - Under Pressure. Engraçado, pensei comigo. Porque não tocou "Who wants to live forever"?!

Joguei o guarda-chuva pro alto, e com um dedo, encontrei o seu cabo curvo e o trouxe firmemente para a palma da mão enquanto corria. Meu paletó esvoaçava, molhado e pesado. As gotas da chuva aumentaram, dardejando meu rosto. Ia desferir meu primeiro golpe, e não tinha a menor idéia do que isso significava...

Desci o guarda-chuva com força em direção à cabeça do baiano, mas ele era experiente nisso e aparou meu golpe. Nesse momento vi que diferente do meu, o seu guarda-chuva tinha cabo reto, em forma de empunhadura, com lugar para encaixar os dedos. Seu guarda-chuva era muito mais letal que o meu.

Sem dificuldade, após aparar o meu golpe, ele girou o corpo, e com um rápido movimento de capoeira, abaixou-se, me acertando na parte de trás do joelho.

Quase caí de joelhos, mas a outra perna foi forte o suficiente para aguentar o peso do corpo. Ele tentou um segundo golpe, mas já esperando por isso, pulei por cima do guarda chuva e rolei pelo asfalto molhado, me pondo de pé em um instante. Ao que parece os anos de RPG me ajudaram a antever os golpes do oponente. Afinal, após anos de estudos de estratégias de combate de espadas, um combate de guarda-chuvas não seria grande coisa.

Agora ele veio pra cima. Tentou o mesmo golpe que eu, de cima para baixo na direção da cabeça. Mas eu fui mais ágil. Girei o guarda-chuva e o deixei escorregar na mão, segurando-o pela ponta, enquanto deixava o cabo livre na outra extremidade. 

Com um rápido movimento, esquivei do golpe, prendi seu guarda-chuva com o cabo do meu e torci com toda a força. O guarda-chuva do baiano voou, e eu o peguei com a mão esquerda.

O rosto dele ficou amedrontado, e sua tez morena ficou pálida por um instante. Eu fui vitorioso. Levantei o seu guarda-chuva, e para o susto de todos os espectadores do bar, que agora eram muitos, um raio caiu na ponta metálica do mesmo.

Pelo terror nos olhos do baiano, percebi que aquilo era um sinal. Seu guarda-chuva o havia abandonado, e com isso sua vida não valia mais nada.

"É meu rei, a natureza é sábia. Se ela lhe escolheu, quem sou eu para discordar, não é mesmo? Só lhe imploro uma coisa meu rei, você, que é primo de Caetano e de Bethânia. Me deixe vivo! Prometo nunca mais lhe importunar! Tenho sete bacuri pra criar..."

Baixei minha cabeça. Nunca havia pensado em matar um homem, e esse talvez fosse o momento ideal. O baiano sabia onde eu pegava o ônibus, e poderia me atocaiar.

"Deixo sim baiano, mas o seu guarda-chuva é meu."

Abri meu guarda-chuva, e vi que havia um buraco. Recortei um pedaço do guarda-chuva do baiano e guardei comigo para remendar o meu.

Apoiei a ponta do guarda-chuva dele no asfalto, a água empoçada chiou com a temperatura do metal. Com todo o peso da minha perna, desferi um chute no meio do guarda-chuva, que se partiu com um estrondo inesperado. Um brilho intenso cegou a todos, e só pude escutar o grito de desespero do baiano.

Quando consegui abrir os olhos, eles estavam grudentos. Eu estava enrolado num edredon, vestindo pijama. Me sentei na beira da cama, me recusando a acreditar que tudo aquilo pudesse ter sido um sonho. Levantei e senti uma dor leve atrás do joelho, que me fez pisar em falso e tropeçar no pé da cama. Andei até o banheiro e lá encontrei aquilo que me fez ter certeza que não havia sido um sonho.

Meu guarda-chuva estava encostado na porta do banheiro. Com um buraco remendado.

Eu era o escolhido.

4 comentários:

Anônimo disse...

-Fique atento meu caro, este "comedor de rapadura" (sem preconceitos) fora apenas um teste, mais inimigos virão daqui para frente, e esteja preparado, pois, a tecnologia acompanha as sombrinhas 'camelosianas', e alguams que possam paracer pequenas podem vir a ter mecanismos q almentem seu tamnho a amplitude de ataque... Esteja sempre atento... (Master Quem?nobi!) UAHuahAuaHAuaUhAUhAUhAA Mto bom Théo, gostei p/c aralho..., continue a jornada deste andarilho das ruas asfaladas e envidraçadas... uAhuAhuAuaH, Abração aew!!!!!!

Luciano PR disse...

O que a imaginação não cria? o texto está super bacana!!! Ficou muito bom. Hehehehe

Continue assim xD
Abração

Anônimo disse...

ahuahuahuahauh o que foi isso tudo?! Parece mais uma conclusão das nossas conversas essa semana: tempo, sotaques, "nordestinos", encontros... que coisa não? ahuahua
Incrível, adorei muito. Eu até medate do conto ainda me perguntava se foi ou não verdade, afinal de contas, nunca se sabe o que se pode acontecer em um dia comum andando em SP, ahuaha.
d+
;****

Joking Joker disse...

Eu tenho um Guarda-Chuva mas ele não e quadriculado ... sou de outro clã ... hahaha ... no meu clã podem haver muito xD

Como sempre... muita comédia nos contos do Théo ... Hahaha

e já sei o que virá pela frente =D

Abraços .o/